Ameaças à geodiversidade - causas e consequências
Um geoparque é uma área com expressão territorial e limites bem
definidos, que possui um notável património geológico, associado a uma
estratégia de desenvolvimento sustentável e integra um número significativo de
sítios de interesse geológico que, pelas suas peculiaridades ou raridade,
apresentam valor científico, educativo, cultural, económico, cénico ou estético
ou seja, podem ser considerados como geossítios (azoresgeopark.com). Em Portugal existem atualmente 4 geoparques e
um deles é o Geoparque dos Açores que integrou a rede mundial em 2013 sob a
máxima: “9 ilhas, 1 geoparque”. Os
geossítios estão distribuídos pelas 9 ilhas dos Açores e incluem locais à
superfície e em profundidade, como as campos hidrotermais e montanhas
submarinas.
Fotografia 1: Montanha do Pico de azoresgeopark.com |
Dois dos geossítios que integram o Geoparque são a Montanha do
Pico, na ilha do Pico, e o vulcão dos Capelinhos, na ilha do Faial. Na cratera
atual da Montanha do Pico, aos 2250 m, localiza-se o cone lávico do Piquinho e
uma fissura eruptiva. A erupção do vulcão dos Capelinhos teve início no mar, em
setembro de 1957 e terminou em outubro de 1958.
Fotografia 2: Vulcão dos Capelinhos de azores.gov.pt |
Estes geossítios possuem um relevância internacional e valor
científico, pedagógico e turístico e a visita a estes locais revela-se uma
experiência inesquecível e muitas das pessoas levam consigo uma lembrança desta
experiência, uma amostra geológica, contribuindo para lapidação do património
geológico nacional (Brilha, 2005). Com o aumento de visitantes a estes locais,
em 2016 foram registadas mais de 12 mil
subidas à montanha do Pico e o centro de interpretação do vulcão dos Capelinhos
já ultrapassou os 100 mil visitantes desde a abertura, prevê-se que esta
depilação aumente. Tendo em conta que o material resultante de uma erupção
vulcânica não é renovável esta configura-se como uma série ameaça, ao património
geológico, a ter conta.
Esta ameaça ocorre a uma pequena escala e está circunscrita a um
pequeno local no entanto, existem ameaças que podem provocar a degradação da
paisagem natural (Brilha, 2005).
Há semelhança da biodiversidade, existem ameaças diretas à
geodiversidade mas também algumas que podem indiretamente potenciar as ameaças
diretas, como o crescimento da população que se estima que atinja 9 mil milhões
de pessoas em 2050, aumentando a construção de infraestruturas e a exploração
de recursos geológicos, a subida do nível da água do mar previsto de 8 a 88 cm
até 2100, que aumentará a erosão costeira, e a alteração de fenómenos climáticos
como os níveis de precipitação que podem potenciar a erosão do solo e alterar o
caudal dos rios (Millennium Ecosystem
Assessment, 2005).
Fotografia 3: Valor científico e educativo da costa de São Jorge ameaçados pela erosão costeira |
As causas que contribuem para as ameaças à geodiversidade são
diversas mas têm em comum a iliteracia cultural que é transversal aos quadros
políticos e técnicos e ao público em geral. Esta iliteracia impede que os
decisores políticos se façam rodear das pessoas necessárias para incluir a
geodiversidade nos planos de desenvolvimento e impede também que as populações
assim o exijam. A inclusão da geodiversidade nos planos de proteção ambiental
poderia mitigar e diminuir muitos dos impactes atualmente verificados pelas
ameaças à geodiversidade (Brilha, 2005).
Estas ameaças incluem a exploração de recursos geológicos, com
eventual interesse científico e
pedagógico. Os recursos geológicos são considerados não renováveis,
tendo como escala o tempo de vida humana, p. e. o petróleo, segundo
Woodcook (1994) citado por Gray (2004), está ser consumido um milhão de vezes
mais rápido do que se forma, o que torna a exploração deste recurso, tal como
de muitos outros, insustentável. O
desenvolvimento de obras e de infraestruturas induzem a impactes negativos
sobre a geodiversidade (Brilha, 2005), p.e removem e reformulam as superfícies
terrestres, levando à perda de formas de relevo, sedimentos sub-superficiais e
fósseis, e por vezes ocultam afloramentos de interesse pedagógico e científico
(Gray, 2004). Esta ameaça tem tem tido especial crescimento no litoral do país
promovida pelos movimentos migratórios e pela crescente procura turística e na
construção estradas, em 2016 a rede rodoviária nacional era composta por 17874
Km. No entanto, as grandes obras também podem contribuir para o conhecimento da
história do ser humano. As gravuras rupestres do Vale do Côa ficaram conhecidas
da população aquando da construção de uma barragem, que entretanto foi
cancelada pelo envolvimento da população. Intervenções feitas nas bacias
hidrográficas, apesar da sua eficácia discutível, como construção de barragens,
diques e canais alteram a dinâmica natural dos cursos de água (Brilha, 2005) e podem
alterar os sistemas de drenagem aumentando a possibilidade de cheias (Gray,
2004). A desflorestação, florestação e agricultura potenciam a diminuição de
valores científicos e pedagógicos que podem ser ocultados pela vegetação ou diminuídos
devido à erosão do solo provocada pela desflorestação, pelos incêndios
florestais e pela agricultura intensiva que também contribui para a poluição
das águas pelo uso de adubos e pesticidas. Segundo o Millennium Ecosystem Assessment os sistemas de cultivo cobrem
atualmente 24% da superfície terrestre. Para finalizar, também as atividades
militares podem constituir uma ameaça à geodiversidade, que não tendo grande
expressão em Portugal, o mesmo não se pode dizer de locais onde existem
conflitos armados.
Figura 4: Degradação da paisagem natural da Sra. da Graça provocada pela exploração de recursos de pensarbasto.blogspot.pt |
As ameaças à geodiversidade podem ter consequências no local onde
esta atua, através do empobrecimento de recursos naturais, degradação da
paisagem natural e dos afloramentos rochosos, mas também fora desse local, com
a contaminação de águas profundas e superficiais, perturbação nos ciclos de
sedimentação e inundação e alteração processos geomorfológicos. Podem ser
cumulativas e afetar os locais de forma diferente tendo em conta a sensibilidade
destes e sua capacidade de regeneração face à ameaça (Gray, 2004) e desencadear
perdas na fauna e flora locais.
Tendo em conta as diversas ameaças a que a geodiversidade está
sujeita é fundamental proceder à sua conservação – geoconservação.
Apesar do não consenso entre especialistas, devido à sua recente
utilização, segundo Sharples (2002)
citado por Brilha (2005) “a geoconservação tem como objetivo a preservação da
diversidade natural (ou geodiversidade) de significativos aspetos e processos
geológicos (substrato), geomorfológicos (formas de paisagem) e de solo,
mantendo a evolução natural (velocidade e intensidade desses aspetos e
processos”. A geoconservação não é só proteger os elementos estáticos da
paisagem, é também permitir que os processos dinâmicos continuem a decorrer
(Gray, 2004) e pode ser entendida em duas vertentes: em sentido lato inclui a
exploração sustentável da geodiversidade e a definição de estratégias para a
sua manutenção, em sentido restrito a limita-se a elementos da geodiversidade
que evidenciem valores científicos, pedagógicos, culturais, turísticos, o
designado património geológico e as estratégias para a sua conservação.
Locais que permitem o conhecimento
da história geológica da Terra, designados herança geológica e o valor
científico dos elementos da geodiversidade, a sua importância para o
conhecimento presente e futuro sobre como a litosfera funciona e interage com a
biosfera, hidrosfera e atmosfera, estão ambos sob um crescente risco devido às
atividades humanas. (Brilha, 2015).
A inexistência de um inventário sistemático significa que estes
locais podem desaparecer para sempre É por isso necessário proceder a uma
identificação e caracterização dos locais com interesse geológico para que
possa ser delineada uma estratégia de geoconservação (Brilha, 2015). No
entanto, esta tarefa reveste-se de uma grande complexidade. Em cada uma das
etapas é preciso ter em conta o valor que possuem, p.e. valor científico,
educacional ou turístico e a área do local em estudo que quanto maior for mais difícil
torna a tarefa. É necessário proceder um inventário geológico e da geodiversidade
dos locais e independentemente do valor que apresentam ou a área que possuem é
necessário assegurar o uso sustentável pela sociedade e identificar o valor
cultural que possam possuir para a população local. De seguida é necessário
quantificar o valor geológico e da geodiversidade. Ainda não existem métodos
aceites unanimemente pela comunidade científica (Brilha, 2015). Para avaliar é
necessário definir os critérios a ter em conta e que variam dependendo do valor
que se pretende atribuir.
A utilização da geodiversidade é necessária para o desenvolvimento
da população mas é necessário alcançar um meio termo entre esta utilização e a
sua conservação atual e para as gerações futuras. Isto só será possível através
do reconhecimento do valor da geodiversidade e o conhecimento das ameaças a que
esta está sujeita. Os cientistas têm um papel fundamental neste desafio pois só
através da sensibilização dos decisores políticos e da população será possível
mudar o modo como a geoconservação é atualmente encarada.
Bibliografia:
Brilha,
J. (2005) . Património Geológico e
Conservação: A Conservação da Natureza na sua Vertente Geológica. Braga.
Palimage Editores. ISBN: 972-8575-90-4. consultado em: http://elearning.uab.pt/pluginfile.php/542945/mod_resource/content/1/Geodiversidade-artigos/Pat_Geol_Geoc_prot.pdf
Brilha, J. (2015). Inventory and Quantitative Assessment of
Geosites and Geodiversity Sites: a Review. The European Association for
Conservation of the Geological Heritage. 8(2): 119-134. consultado em: http://elearning.uab.pt/pluginfile.php/542946/mod_resource/content/1/Brilha%202015.pdf
Gray, M. (2004). Geodiversity valuing and conserving abiotic nature. Department of
Geography, Queen Mary, University of London. John Wiley & Sons Ltd,
England. Consultado em: http://elearning.uab.pt/pluginfile.php/569069/mod_resource/content/1/geodiversity.pdf
Gravuras do Côa consultado em 29/11/2017 em: https://www.cm-fozcoa.pt/index.php/turismo/parque-arqueologico-do-vale-do-coa
Fotografia 1 retirada em 29/11/2017 de: https://www.azoresgeopark.com/geoparque_acores/geossitios.php?id_geositio=8
Fotografia 2 retirada em
29/11/2017 de: http://www.azores.gov.pt/Portal/pt/coordenacao/galerias/Carlos+Carvalho/portfolio/Montanha+do+Pico.htm
Fotografia 4 retirada em 29/11/2017 de: http://pensarbasto.blogspot.pt/2008/10/senhora-da-graa-o-monte-de-farinha.html
Millennium Ecosystem Assessment (2005). Ecosystems
and Human Well-being: Biodiversity Synthesis. World Resources Institute,
Washington, DC.
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