Valores da Geodiversidade



O termo geodiversidade surgiu durante a conferência de Malvern, Reino Unido, sobre Conservação Geológica e de Paisagem que decorreu em 1993 (Gray, 2004 citado por Brilha, 2005). A definição deste conceito vai-se alterando com o contributo de muitos, Sharples (2002), por exemplo considerou importante distinguir os conceitos ‘geodiversity’ ‘geoconservation’ ‘geoheritage’ (Gray, 2004). Nos diversos contributos existe sempre a perspetiva de conservação. A conservação do meio natural é fundamental já que permite que os processos e as mudanças naturais ocorram (Gray, 2004). Tudo isto se reveste de extrema importância já que, sem definir um conceito não é possível dá-lo a conhecer, e sem conhecer não é possível conservar.

Atualmente, e segundo a Royal Society for Nature Conservation do Reino Unido, a geodiversidade consiste na variedade de conceitos geológicos, fenómenos e processos ativos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte para a vida na Terra. Compreende todos os aspetos não vivos do planeta mas também todos os processos naturais que atualmente decorrem dando origem a novos testemunhos (Brilha, 2005).

A geodiversidade resulta de uma multiplicidade de fatores e da relação entre eles (Brilha, 2005). Desde já na variedade de rochas que existem quer pela sua formação, magmáticas, metamórficas e sedimentares, quer pelas suas propriedades que refletem as propriedades dos minerais que as constituem como dureza, cor, brilho, hábito e clivagem (Brilha, 2005). A meteorização que as rochas sofrem provocada pelas condições típicas  da superfície terrestre, potenciada  pelas fraturas provocadas pelas forças tectónicas, altera-as e aos minerais que as constituem.  O clima é um fator a ter em conta na geodiversidade, a água no estado líquido molda as rochas e consequentemente a paisagem. Também a temperatura e a humidade são importantes  na alteração das rochas e dessas alterações resultam sedimentos que geram depósitos sedimentares, consolidados ou não, que constituem outro elemento da geodiversidade. Os fósseis, para além de essenciais para o conhecimento da biodiversidade, são também intrínsecos da geodiversidade. Também na génese dos solos estão as rochas, sendo estes classificados tendo em conta a rocha que lhe deu origem e a matéria orgânica que possuem (Brilha, 2005)

Castelo de Arnoia - Celorico de Basto
A geodiversidade assegura as condições de subsistência indispensáveis à biodiversidade e condicionou a história da humanidade. A diversidade do mundo físico é enorme e os seres humanos usaram  esta  diversidade de incontáveis formas (Gray, 2004). Assegura a disponibilidade alimento, as condições climatéricas mais favoráveis, locais de abrigo e materiais de construção (Brilha, 2005) moldando desde logo a distribuição dos aglomerados populacionais, que desde sempre souberam aproveitar as potencialidades que lhes eram oferecidas, desde a disponibilidade de rochas para a construção, formações geológicas do terreno mais adequadas para instalar sistemas de defesa e a exploração de minerais e de rochas como fonte de matérias primas. De facto, a utilização de recursos minerais foi de tal forma marcante para a história da humanidade que os grandes períodos da pré-história têm designações baseadas em recursos minerais (Lima, et al., 2013).

Nem sempre é consensual a atribuição de valor à natureza, já que implica sempre uma visão antropocêntrica, o valor atribuído é sempre em favor da entidade que avalia e atribui valor. Mas, esta quantificação dos valores reveste-se de uma grande importância quando se trata de conservação, só se torna importante conservar mediante o valor atribuído. É por isso fundamental quantificar e atribuir valor para assim melhor conservar.

Os valores da geodiversidade são diversos, uns mais óbvios do que outros e por isso mais fáceis de quantificar (Gray, 2004). Disso exemplo, é o valor económico que sendo objetivo é fácil de quantificar. A geodiversidade é, desde sempre, fonte de matérias primas para a produção de energia e para a indústria. A título de exemplo temos a Mina da Panasqueira que labora praticamente de forma ininterrupta desde a sua descoberta e que marcou a identidade da região da Beira Interior. 

Fantasticable - PenaAventura ParK

O valor estético, apesar de ser bastante subjetivo, é muitas vezes capitalizado em valor económico através de diversas atividades como o turismo de natureza, o Parque Nacional da Peneda-Gerês, ou mesmo o desporto aventura do qual o Pena Aventura Park é exemplo, devido à geomorfologia do terreno permitiu a instalação do Fantasticable  um dos maiores cabos do mundo de descida por gravidade e único na Península Ibérica. 


A geodiversidade desempenha também um valor de suporte, quer para infraestruturas criadas pelo Homem, quer para os ciclos geoquímicos fundamentais à manutenção da biodiversidade. Disso exemplo é  o papel que as rochas desempenham na concentração de minerais que a água apresenta. Exemplo disso é a Água Gloria Patri, com um sabor muito característico devido à presença de sílica no local onde são obtidas. Também é importante referir que existem 17 elementos essenciais para a manutenção da vida animal e vegetal (Gray, 2004). O solo é o suporte de vida das plantas e desempenha um papel importante no seu desenvolvimento. A hortênsia, Hydrangea macrophylla, tem flores de várias cores dependendo do pH do solo. Apesar de não ser fácil de quantificar é um valor bastante consensual.
O valor cultural manifesta-se pela interdependência entre a geodiversidade e o desenvolvimento social, cultural e/ou religioso do homem. A famosa “luz de Lisboa”, fonte de inspiração de vários artistas, deve-se não só às horas de Sol, mas também às colinas da cidade e aos materiais usados na construção dos edifícios, como o calcário, que potenciam a luz solar. Deste valor existem variados exemplos desde lendas associadas a determinados locais, à escolha dos nomes para as localidades, à disponibilidade de matérias primas que permite a criação de indústria tornando-se esta parte da identidade de uma região, até à relação do relevo com os equipamentos militares. 

Talasnal - Serra da Lousã
As Aldeias de Xisto mostram como a paisagem pode moldar as atividades humanas e como estas podem imprimir uma marca particular à paisagem existindo vestígios da ocupação deste do território desde os tempos pré-históricos.
O seu valor científico e educativo é também indiscutível. A investigação das Ciências da Terra permite conhecer a história da Terra e a evolução do Homem, só possível devido aos fósseis, mas também melhorar a relação deste com a natureza através da explicação de fenómenos causadores de grande ansiedade como os sismos.
O valor intrínseco existe independentemente da utilidade que este possa representar para quem o avalia (Gray, 2004). No entanto a sua quantificação é subjetiva, já que depende da perspetiva que o avaliador tem em relação à natureza, isto é, se se considera parte da Natureza ou se por outro lado sente que é uma entidade externa, e por isso superior a esta. Torna-se assim o valor mais difícil de quantificar já que envolve dimensões éticas e filosóficas da relação entre a sociedade e a natureza (Gray, 2004).
Muitos destes valores sobrepõem-se em um mesmo exemplo e outros acabam por entrar em conflito (Gray, 2004) no entanto, é claro que, nunca como hoje a utilização de materiais geológicos foi tão grande e está espelhada em todos os momentos do dia a dia desde os combustíveis para a produção de energia, à tecnologia da qual somos dependentes, passando pelas casas onde vivemos e a relação que temos com o local onde a construímos, a grafite do lápis que usamos para sublinhar este texto, que apenas difere do diamante na organização do átomo de carbono, ou os óculos que usamos para o ler, são infindáveis os valores da geodiversidade (Brilha, 2005).     


Bibliografia:
   Brilha, J. (2005) . “Património Geológico e Conservação: A Conservação da Natureza na sua Vertente Geológica”. Braga. Palimage Editores. ISBN: 972-8575-90-4. consultado em: http://elearning.uab.pt/pluginfile.php/542945/mod_resource/content/1/Geodiversidade-artigos/Pat_Geol_Geoc_prot.pdf
   Gray, M. (2004). “Geodiversity valuing and conserving abiotic nature”. Department of Geography, Queen Mary, University of London. John Wiley & Sons Ltd, England. Consultado em: http://elearning.uab.pt/pluginfile.php/569069/mod_resource/content/1/geodiversity.pdf
   Lima, A. Moreira, B. (2013) “A geodiversidade e o património geológico.” consultado em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/84718/2/110572.pdf
Imagens: 
http://www.radioregiaodebasto.com/images/noticias/2014/Castelo%20de%20Arnoia.jpg




Comentários

  1. Boa argumentação, elaboração e muito bem fundamentada Isabel. No entanto, gostaria de ressaltar a necessidade de ficarmos atentos para o risco de termos a geodiversidade entrando em colapso, pois, a maioria de seus elementos não são renováveis e com sua exploração acima do aceitável, certamente a “mãe natureza” não suportará. Quando tais recursos forem extintos a humanidade perceberá mesmo sabendo que já é tarde, que algo foi feito de modo extremamente equivocado, mas não terá mais jeito de tentar qualquer mudança nos rumos de exploração. Portanto havemos de atuar enquanto é tempo, promovendo uma extração sustentável dos recursos naturais, atuando também com a reutilização, reciclagem, substituição, dentre outros aspectos conservacionistas

    Os geoparques estão aparecendo como uma boa alternativa geoconservacionista, porém o que me deixa ainda bastante preocupado é que infelizmente, contra o fortíssimo poder econômico não há força que resista.

    Bibliografia:
    Gray, Murray, Geodiversity e Conservation
    Sharples, C., Concepts And Principles of Geoconservation.

    Zilmar Figueiredo

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    1. Olá Zilmar!
      Obrigada pelo seu contributo. De facto as ameaças à geodiversidade são muitas e tal como disse, é necessário ficarmos atentos para os riscos que esta corre tendo em conta a nossa necessidade crescente de matérias primas para mantermos o nosso estilo de vida.
      Segundo Brilha (2005) a principais ameaças à geodiversidade são exploração de recursos geológicos, desenvolvimento de obras e estruturas, gestão das bacias hidrográficas, usos dos solos, atividades militares, atividades recreativas e turísticas, colheita de amostras para fins não científicos e iliteracia cultural. A criação de Geoparques, tal como as zonas protegidas, são uma ferramenta essencial na preservação mas insuficientes porque albergam uma pequena área do planta. Pela complexidade do assunto decidi abordá-lo num post seguinte.
      Cumprimentos,
      Isabel

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  2. Isabel Campos, foi excelente ler a sua reflexão sobre os valores da Geodiversidade. Ela espelha bem o alto valor que devemos atribuir à geodiversidade. Atribuindo-lhe valor leva-nos às limitações ao seu uso e à sua conservação, obrigando-nos à identificação das ameaças que sobre ela recaem. Parece-me consensual que a necessidade de conservar ou evitar danos irreversíveis é independente de se lhe atribuir valor intrínseco, daí a necessidade de se proceder a uma correcta informação à população em geral do seu valor e da herança que ela constitui para as gerações vindouras. Como diz Murray Gray, a justificação para a geoconservação deve assentar em dois princípios: o dever que temos com as futuras gerações em preservar a nossa herança para que se torne também a deles, e o benefício que é para a Humanidade e para a Natureza, o correcto uso dos recursos naturais de uma forma sustentada. Esta é a maior ameaça: o uso indiscriminado dos recursos. A pressão que se exerce sobre o nosso território para a prospecção do petróleo, quando o mundo caminha entretanto para o abandono dos combustíveis fósseis, diz bem dos interesses económicos imediatos que estão por detrás.

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  3. Isabel, gostei muito da sua reflexão que demonstra o valor inegável da geodiversidade e dá-nos excelentes exemplos práticos dos seis critérios de valorização, propostos por Gray (2004) que surgiram da necessidade de conservar e gerenciar os recursos físicos do planeta.
    A vida do Homem depende tanto da biodiversidade como da geodiversidade, desde os primórdios da sua existência. A caça, a pesca e os abrigos permitiram ao homem sobreviver em interação com a natureza. Mais tarde o aparecimento e desenvolvimento da agricultura só ocorreu à existência de solos que se formam pela interações geosfera/atmosfera/ hidrosfera /biosfera. Por mais tecnologias que se criem vamos sempre precisar da biodiversidade e da geodiversidade pois são o suporte para a nossa vida na Terra. Ponderar os valores da geodiversidade torna inevitável abordar a importância da conservação da geodiversidade.
    Cumprimentos,
    Ana Marta

    Bibliografia:
    Gray, M. (2004).Geodiversity: Valuing and Conserving Abiotic
    Nature. John Wiley and Sons, Chichester, England.

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