Ameaças à biodiversidade - alterações climáticas


A história das alterações climáticas começa no princípio do século XIX quando o francês Joseph Fourier resolveu fazer contas à razão entre a radiação solar recebida e emitida pela Terra. Em meados do mesmo século John Tydall construiu o primeiro espectrofotómetro com o objectivo de testar a forma como diferentes gases da atmosfera absorvem e transmitem a radiação. Percebeu que o dióxido de carbono e o vapor de água se comportavam de forma diferente em relação à radiação, relativamente aos outros gases existentes na atmosfera, e concluiu que estes gases eram grandemente responsáveis pelo clima do planeta. São designados gases com efeito de estufa (GEE) onde também se inclui o metano, o óxido nitroso, os clorofluorcarbonetos (CFC) e os hidroclorofluorcarbonetos (HCFC).
 O clima é hoje reconhecido como um sistema complexo e interativo, com cinco principais componentes: atmosfera, hidrosfera, criosfera, superfícies terrestres e biosfera. Estes componentes são alterados por uma série de fatores externos, incluindo o Sol, a atividade vulcânica, mudanças na tectónica de placas, na órbita da Terra e atividades humanas (Caeiro et al., 2015). 
As alterações que se têm vindo a registar, desde meados do século XIX quando ocorreu o início da era industrial, têm ocorrido a um ritmo muito superior a qualquer outra mudança climática detetada no passado.
Apesar de certas fações, principalmente em países anglo-saxónicos não o considerarem, por motivos meramente economicistas, a responsabilidade humana nestas mudanças  é inegável e deve-se principalmente à emissão, sem precedentes, de GEE. 

Tem-se verificado um aumento das fontes de emissão CO2 através da extração e queima de combustíveis fósseis como o petróleo, carvão e gás natural, para a obtenção de energia, e diminuição dos sumidouros de CO2 relacionados com a desflorestação e diminuição da vegetação perene.
O aumento de metano na atmosfera deve-se a ações antropogénicas como a agricultura intensiva (em particular o cultivo do arroz), a pecuária de ruminantes e a extração de combustíveis fósseis. Para o aumento deste GEE muito tem contribuído o aumento da população mundial, que atingiu os 7,2 mil milhões de habitantes, segundo as Nações Unidas, e a alteração dos hábitos alimentares principalmente nos países desenvolvidos que aumentou o consumo de carne.
O aumento das concentrações de óxido nitroso deve-se à aplicação de fertilizantes na agricultura intensiva, com elevado conteúdo em azoto, à queima de combustíveis fósseis e de biomassa e a alguns processos industriais.
A presença de CFC e de HCFC, na atmosfera, devem-se inteiramente às atividades humanas.

 
Os padrões de precipitação mudaram espacialmente e temporariamente, e o nível médio global do mar subiu 0,1 - 0,2 metros. Os cenários desenvolvidos pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) organismo criado pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente e pela Organização Meteorológica Mundial,  projetam um aumento na temperatura média global da superfície de 2,0-6,4º C, acima dos níveis pré-industriais até 2100, e um aumento do nível da água do mar de 8-88 centímetros entre 1990 e 2100.
Estas mudanças irão provar diversas alterações: (i) aumento da incidência de inundações e de períodos de seca (ii) disponibilidade e qualidade da água; (iii) aumento da incidência de doenças transmitidas por mosquitos; (iv) diminuição da produtividade agrícola e disponibilidade de peixe e (v) perda de biodiversidade e aumento do risco de extinção para muitas espécies, especialmente as já se encontram em risco. Até ao final do século, as alterações climáticas e seus impactos podem ser o principal motor direto da perda de biodiversidade, desde organismos individuais, a populações ou mesmo espécies, com inevitáveis alterações na composição e função dos ecossistemas afetando assim os serviços prestados, por estes, aos seres humanos (Millennium Ecosystem Assessment, 2005) nomeadamente o fornecimento de alimentos, produção de fibras, captação de carbono, ciclo de nutrientes, polinização e regulação do clima incluindo produção de oxigénio e captação de dióxido de carbono pelos oceanos e culturais (Caeiro et al., 2015).
Cada espécie biológica necessita que o seu habitat lhe forneça alimento, abrigo e condições de reprodução para que possa sobreviver e prosperar.  Quando as condições mudam as populações podem (i) migrar, (ii) evoluir e adaptar- se, (iii) sobreviver em "refúgios" ou (iv) extinguir-se. As alterações climáticas afetam naturalmente todas as formas de vida. Esses efeitos incluem (i) fenologia e fisiologia, (ii) variedade de distribuição de espécies, (iii) composição e interação dentro das comunidades e (iv) estrutura e dinâmica dos ecossistemas (Caeiro et al., 2015).  As espécies possuem um potencial de resposta evolutiva a alterações das condições ambientais mas que pode estar comprometido pelas rápidas alterações climáticas a que temos assistido. Tendencialmente as espécies com tempo de geração curto deverão evoluir mais rapidamente do que as espécies de longa geração e portanto poderão adaptar-se mais facilmente (Caeiro et al., 2015).  
 


Nos ecossistemas terrestre, em particular nos animais, as alterações serão sobretudo comportamentais desencadeando nomeadamente movimentos migratórios que poderão estar seriamente comprometidos pela fragmentação das paisagens naturais para usos agrícolas e construção de infraestruturas. Nas plantas as alterações serão sobretudo fenológicas e fisiológicas. As plantas são a base das cadeias tróficas, asseguram os serviços ecossistémicos de polinização, de regulação do clima através da captação de dióxido de carbono e libertação de vapor de água, do ciclo de nutrientes e do abastecimento de água. Como se tratam de espécies fixas a procura de novos locais mais favoráveis ao seu desenvolvimento apenas está assegurado pela dispersão de sementes e por isso sofrerão mais os impactos das alterações climáticas (Caeiro et al., 2015). As alterações climáticas também podem afetar as relações interespécies e entre comunidades, pode provocar a diminuição do habitat, por exemplo para os animais que vivem nos polos, e alterar o ciclo geoquímico através das interações das plantas com o subsolo.
Nos ecossistemas marinhos as alterações climáticas influenciam a abundância, a estrutura e a biodiversidade promovem alterações nas temperaturas, causando a acidificação e alterando os padrões de precipitação. Provocam também mudanças nos movimentos migratórios o que pode condicionar toda a cadeia trófica marinha. Os ecossistemas de estuários e de zonas costeiras são particularmente sensíveis às alterações climáticas devido à mudança das condições de temperatura e de salinidade (Caeiro et al., 2015).
As projeções das alterações climáticas para o século XXI não têm precedentes e combinadas com outros promotores, diretos ou indiretos, de alteração da biodiversidade nomeadamente crescimento da população, migrações para zonas urbanas, globalização, alteração ao uso dos solos, sobrexpoloração de recursos, introdução de espécies exóticas vai tornando as espécies cada vez mais vulneráveis e incapazes de se adaptarem o que poderá ter impactos dramáticos sobre a biodiversidade.
Bibliografia:
   Caeiro, S.; Bacelar-Nicolau, P.; Becker, S.; Otto, D. (2015). e-book “The heat is up!”   Cross-disciplinary perspectives on climate change negotiations. Universidade Aberta.
   - Millennium Ecosystem Assessment, 2005. Ecosystems and Human Well-being: Biodiversity Synthesis. World Resources Institute, Washington, DC.. pp. 42-59.
http://blog.ketchum.com/wp-content/uploads/2013/09/Extinction.jpg

Comentários

  1. Isabel, focou a sua reflexão sobre as alterações climáticas. De facto, se havia dúvidas sobre este fenómeno, estas tem sido dissipadas pela constatação da seca profunda que Portugal tem vindo a sofrer. Devo confessar que sou um grande gastador de água, no entanto, disciplinadamente, tenho conseguido aproveitar a água que desperdiço, evitando que vá para a rede de esgoto, para regar a minha micro horta e o meu jardim, que face ao inverno seco precisa de rega. É mesmo uma mudança nos nossos comportamentos que se torna necessário fomentar. Caso contrário a evidência dos factos nos obrigará de forma mais dolorosa. É assustador pensar que as alterações climáticas provocarão uma descida da produtividade agrícola nas zonas tropicais e sub-tropicais quando, paralelamente, é nestes locais que ocorrerá uma forte pressão demográfica, com a Índia a ultrapassar a China.
    Mas há uma esperança. Em oposição à desastrosa administração americana sobre o ambiente, vemos passos muito positivos na China e na Índia e em pequenos países em desenvolvimento em África e na América Central, no que se refere ao fim do uso das energias fósseis.

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  2. Olá Isabel, gostei do enfoque! A forma correta de referenciar seria Bacelar-Nicolau, P & Azeiteiro, U.M. (2015) “Changes in flora and fauna on terrestrial and aquatic environments a te climate warms” in "The heat is Up!” – cross-disciplinary perspectives on climate change negotiations. (Caeiro, S; Bacelar-Nicolau, P, Otto, D, Becker, S, Organisation) ISBN / ISSN: 978-972-674-771-0 (http://hdl.handle.net/10400.2/4956)

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    1. Olá Doutora Paula Nicolau!
      Desde já agradeço o feedback que nos vai dando pois tem sido uma mais valia e uma forma de progredirmos. De facto, estou com bastantes dificuldades na bibliografia. Vou melhorar! Obrigada, Isabel

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  4. Isabel, de facto, a questão das mudanças climáticas tornou-se uma das preocupações ambientais dominantes, com especial destaque para o aquecimento global. É consensual que as atividades humanas estão a provocar alterações na atmosfera terrestre a um ritmo sem precedentes, com o aumento das concentrações de gases com efeito de estufa (GEE), contribuindo para agravar um processo que, naturalmente, é muito importante e que possibilita a existência de vida na Terra.
    Na verdade, a maior preocupação da comunidade científica não é o facto de se estar a registar uma mudança da temperatura, mas sim a rapidez com que esta está a ocorrer. A nível internacional existe um amplo debate acerca do grau de interferência de diversas causas que poderão explicar estas mudanças nos padrões climáticos, por um lado, causas humanas, em resultado das atividades humanas e das fontes energéticas utilizadas e, por outro, causas naturais, que poderão igualmente contribuir para o aumento da temperatura como, por exemplo, os ciclos solares, como aliás já se verificou no passado, onde foram estabelecidas correlações entre o período dos ciclos solares e a mudança de temperatura média. Apesar do consenso sobre a continuidade no aumento da temperatura média ao longo deste século, a discussão internacional centra-se, especialmente, para além da rapidez com que ocorre, os eventuais efeitos nos seres humanos e nos ecossistemas e a forma possível de resposta a esta ameaça global. Tome-se como exemplo o que atualmente se verifica em Portugal, em resultado de alterações climáticas que se começam a acentuar.
    As mudanças significativas da temperatura média da Terra poderão ter efeito ao nível dos diversos subsistemas e os problemas que daí poderão advir ignoram as fronteiras nacionais, pelo que a consciencialização da globalização destes fenómenos ambientais é fundamental.

    Cumprimentos,

    Sandra Duarte

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    1. Boa noite Isabel:
      A primeira vez que ouvi falar em alterações climáticas foi nos anos 90 por causa do fenómeno El Nino e a partir daí muito se tem dito ... por exemplo o termo efeito estufa tem sido frequentemente utilizado com uma conotação negativa, de que algo errado está a acontecer na atmosfera. No entanto, o que esta conotação raramente traduz é que a vida na Terra só é possível por causa do efeito estufa que permite temperaturas entre extremos aproximados de -10ºC e +50ºC.
      Quando se fala do lado negativo do efeito estufa significa que o aumento artificial, e desproporcionalmente rápido, na concentração de certos gases que provocam este efeito ( os gases de efeito de estufa – GEEs como o dióxido de carbono - CO2, o metano - CH4, os clorofluorcarbonetos - CFCs e outros halocarbonetos, o ozono - O3 e o óxido nitroso - N2O e também ovapor de água) tem provocado um aumento de temperatura da atmosfera. Isto pode provocar mudanças climáticas significativas para a manutenção da vida como a conhecemos.
      O grande problema é que alterações de temperatura que para nós parecem relativamente pequenas (por exemplo, 1ºC ou 2ºC a mais na média mundial) poderão produzir alterações climáticas drásticas, principalmente devido à possibilidade de descongelamento de parte da água que se encontra nos pólos e nos glaciares. A presença de maior proporção de água líquida na atmosfera não somente aumentaria os níveis de água nos oceanos, mas também faria com que os regimes de chuvas de várias regiões se alterassem. Outro fator que raramente se comenta é que o vapor de água é, na realidade, um dos principais fatores para aumentar o efeito estufa e mais água líquida pode significar mais água em forma de vapor e mais aumento de temperatura. Paralelamente, os próprios efeitos do aumento de temperatura fariam com que os movimentos de massas de ar também se alterassem e, inclusive, influenciassem os regimes de chuvas.
      O aquecimento das águas degradaria os ecossistemas marinhos, afetando diversas espécies de diferentes formas. As alterações nos níveis do mar provocariam stress em muitos organismos sensíveis à temperatura, tais como os corais, causando a morte e favorecendo o estabelecimento de doenças. Com a perda dos corais, por exemplo, várias comunidades que vivem a eles associadas e/ou deles dependem correriam o risco de desaparecer, isto porque muitas não teriam tempo para se adaptar às novas condições climáticas.
      Portanto, parece claro que o efeito estufa gerado por atividade humana pode levar à perda de espécies e, portanto, à diminuição da biodiversidade. No caso das florestas tropicais o efeito seria muito semelhante devido às alterações de distribuição da água na superfície, determinada pelos movimentos de massa de ar.
      Dados obtidos a partir de registos fóssil indicam que já ocorreram diversas mudanças climáticas ao longo do tempo geológico e consequentes mudanças na biodiversidade. Mas o problema não está nas mudanças climáticas o problema está, na realidade, na velocidade. Se as mudanças forem excessivamente rápidas, várias espécies não conseguiriam migrar rapidamente para encontrar um ambiente adequado para a sua adaptação. Essas espécies correm, portanto, o risco de desaparecer, o que novamente significa perda de diversidade biológica.
      Bibliografia:
      - Bacelar-Nicolau, P & Azeiteiro, U.M. (2015) “Changes in flora and fauna on terrestrial and aquatic environments a te climate warms” in "The heat is Up!” – cross-disciplinary perspectives on climate change negotiations. (Caeiro, S; Bacelar-Nicolau, P, Otto, D, Becker, S, Organisation) ISBN / ISSN: 978-972-674-771-0 (http://hdl.handle.net/10400.2/4956)Miranda, P. (2001). Variabilidade Climática)
      - Miranda, P. (2001). Variabilidade Climática. Meteorologia e Ambiente, cap. 12, Editora Universidade Aberta, Lisboa.

      Cumprimentos e continuação de um bom trabalho,
      Ana Marta

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